Intervenção: Treinamento e qualificação
Programas de educação técnica e profissional

Síntese das revisões sobre “Programas de educação técnica e profissional” e apontamento de lacunas de pesquisa

O ensino profissional e técnico (EPT) tem sido, ao longo dos anos, uma ferramenta crucial para a formação de uma força de trabalho qualificada, preparada para responder às demandas de mercados de trabalho cada vez mais dinâmicos e especializados. O EPT engloba programas educativos que visam proporcionar aos estudantes habilidades técnicas e profissionais específicas, com foco na formação para o mercado de trabalho e na redução do gap entre a educação formal e as exigências da economia.

Em muitos países, especialmente em contextos de renda baixa e média, a educação profissional e técnica tem sido vista como uma resposta direta à necessidade de oferecer alternativas àqueles que não desejam ou não podem seguir para o ensino superior. Contudo, apesar de seu potencial, o EPT enfrenta diversos desafios relacionados à qualidade, equidade e acessibilidade dos programas oferecidos.

Os programas de EPT oferecem várias vantagens, tanto para os estudantes quanto para os mercados de trabalho nos quais eles estão inseridos. A principal vantagem do EPT é a sua capacidade de proporcionar uma qualificação mais rápida e focada, permitindo aos alunos entrar no mercado de trabalho em um curto período, com habilidades diretamente aplicáveis. De acordo com Soliz (2023), as credenciais obtidas em cursos técnicos de curta duração apresentam retornos significativos para os graduados, especialmente em termos de emprego.

No entanto, esses retornos são altamente dependentes da área de formação, da localização geográfica e da natureza da instituição. Soliz (2023) também aponta que, quando bem estruturados, os programas de EPT oferecem uma oportunidade para os alunos acessarem estágios e empregos qualificados, além de contribuírem para uma força de trabalho mais qualificada e com maior mobilidade.

Contudo, o ensino profissional e técnico também enfrenta desafios consideráveis. Shi e Bangpan (2022) discute como a eficácia do EPT em países de baixa e média renda está diretamente ligada à qualidade do currículo, à formação dos instrutores e às condições dos ambientes de aprendizado. Em muitos desses contextos, os programas de EPT ainda não estão adequadamente alinhados com as necessidades locais do mercado de trabalho, o que limita a empregabilidade dos graduados.

Além disso, questões como a falta de infraestrutura adequada e a escassez de recursos financeiros podem comprometer a qualidade da formação oferecida. Em países de alta renda, os programas de EPT enfrentam a questão da desigualdade no acesso, especialmente entre diferentes grupos socioeconômicos, o que pode resultar em oportunidades desiguais de emprego (Kim et al., 2021).

A qualidade do ensino e as oportunidades oferecidas pelos programas de EPT podem variar bastante. Programas que não oferecem uma formação abrangente, que combine conhecimentos técnicos com habilidades sociais e de liderança, podem limitar as perspectivas de carreira dos alunos.

O estudo de Ray e Zarestky (2022) mostra que as disparidades de gênero ainda persistem em muitas áreas do EPT, o que restringe o acesso das mulheres a cursos em campos como engenharia e tecnologia, onde as oportunidades de emprego são frequentemente mais lucrativas. A falta de uma abordagem inclusiva e a persistência de normas de gênero também são desafios que afetam a efetividade desses programas.

Os efeitos positivos do EPT são amplamente reconhecidos, especialmente quando se trata da melhoria das perspectivas de emprego e de renda. Como apontado por Soliz (2023), os alunos que completam programas técnicos de curta duração tendem a conseguir empregos mais rapidamente do que aqueles que optam por cursos de longa duração, como o ensino superior tradicional. Além disso, a formação técnica oferece aos estudantes uma oportunidade de se especializar em setores específicos, como saúde, tecnologia e manufatura, os quais são essenciais para o crescimento das economias locais.

Contudo, os efeitos negativos também são destacados na literatura. Shi e Bangpan (2022) observam que, em alguns contextos, o EPT pode criar uma “armadilha de qualificação”, onde os graduados são formados para áreas específicas que, no longo prazo, não oferecem muitas oportunidades de avanço profissional.

Além disso, o estudo de Kim et al. (2021) destaca que os programas de EPT, embora ofereçam boas perspectivas de emprego de curto prazo, podem não garantir mobilidade profissional de longo prazo, especialmente quando não são associados a oportunidades de desenvolvimento contínuo ou de formação complementar. Essa falta de continuidade educacional pode ser um fator limitante para a ascensão social dos graduados de EPT.

Outro ponto negativo observado por Ray e Zarestky (2022) é a segmentação do mercado de trabalho, onde os graduados de EPT podem ser limitados a funções mais operacionais ou de menor status em um setor. Isso é exacerbado pela falta de uma abordagem equitativa no acesso aos programas de EPT, que exclui certos grupos sociais, como mulheres e minorias raciais, de áreas de alta demanda e alta remuneração.

Embora os achados da literatura sobre o EPT sejam úteis, existem várias lacunas que precisam ser exploradas para fornecer uma compreensão mais aprofundada dos efeitos desses programas. Primeiro, há uma falta de estudos longitudinais que acompanhem os graduados de EPT ao longo do tempo, a fim de avaliar não apenas a inserção no mercado de trabalho, mas também a evolução de sua trajetória profissional e a mobilidade social. O estudo de Soliz (2023) menciona que mais pesquisas são necessárias para entender como as credenciais técnicas afetam a carreira de longo prazo dos graduados, especialmente em termos de desenvolvimento profissional e ascensão na hierarquia ocupacional.

É necessário investigar mais profundamente como as características específicas dos programas de EPT, como o currículo, a formação dos instrutores e a infraestrutura, afetam os resultados dos alunos. Shi e Bangpan (2022) sugerem que a qualidade do currículo e das condições de aprendizagem são determinantes críticos para o sucesso do EPT, mas os mecanismos exatos por meio dos quais esses fatores influenciam o sucesso dos alunos ainda não estão completamente compreendidos.

Outra lacuna importante é a falta de pesquisas sobre a inclusão de gênero nos programas de EPT. O estudo de Ray e Zarestky (2022) indica que os programas de EPT frequentemente reproduzem desigualdades de gênero, limitando o acesso das mulheres a cursos e empregos em áreas dominadas por homens. Como superar essas barreiras ainda é uma questão aberta na literatura, e mais pesquisas são necessárias para identificar estratégias que promovam a igualdade de gênero no contexto do EPT.

Por fim, ainda há uma falta de estudos comparativos sobre o impacto do EPT em diferentes contextos socioeconômicos e culturais, especialmente entre países de alta e baixa renda. O estudo de Kim et al. (2021) aponta que as disparidades no acesso e nos resultados do EPT variam significativamente entre diferentes países, mas as causas subjacentes dessas diferenças ainda precisam ser exploradas em maior profundidade. Perguntas sobre como adaptar os programas de EPT para diferentes contextos e como garantir que esses programas atendam às necessidades locais do mercado de trabalho permanecem essenciais para o futuro da educação profissional e técnica.

Referências

CAMPANARO, Alexandra M. et al. A review of the literature on vocational training interventions with individuals with autism spectrum disorder. Behavioral Interventions, v. 36, n. 3, p. 675-696, 2021.

FOGARTY, Sarah et al. The provision of vocational education and training within contemporary political socio-economic conditions: a review of the literature. International Journal of Training Research, p. 1-18, 2023.

KIM, Elisabeth H. et al. Equity in secondary career and technical education in the United States: A theoretical framework and systematic literature review. Review of Educational Research, v. 91, n. 3, p. 356-396, 2021.

RAY, Sarah; ZARESTKY, Jill. Gender in vocational education and training: an integrative review. European Journal of Training and Development, v. 46, n. 9, p. 876-893, 2022.

SHI, Yi; BANGPAN, Mukdarut. Young people’s participation experiences of technical and vocational education and training interventions in low-and middle-income countries: a systematic review of qualitative evidence. Empirical Research in Vocational Education and Training, v. 14, n. 1, p. 1-42, 2022.

SOLIZ, Adela. Career and Technical Education at Community Colleges: A Review of the Literature. AERA Open, v. 9, 2023.